Campino do Ribatejo! /
Figura que nasce e morre /
Nos campos da beira-mar! /
Tão portuguesa e tão bela /
Na sua simplicidade /
Que até na sua pobreza /
Nunca sabe mendigar! /
Entre cavalos e toiros /
Na lezíria assoalhada /
A sua figura esbelta /
Tem um encanto infinito: /
Barrete verde; o colete /
Encarnado sobre a neve /
Da camisa de algodão; /
Jaleca bem recortada, /
Meia branca, os albardões, /
As esporas, o calção /
Azul cobalto justinho /
E a cinta escarlate quente /
Da cor do sangue ou do vinho. /
Além, naquele valado, /
As papoilas e o junquilho /
Fazem trofeu, há mais luz! /
Um harmónio no fadango /
Vibra e salta no compasso /
Magoadamente agitado! /
Anda no ar o farrapo /
Dolente de uma cantiga /
Mordida pelo ciúme! /
E o fandango vai dançado! /
Ninguém se mexe. Só ele, /
Bamboleado, rirail /
Desempenado, perfeito, /
- E as pernas? Como ele as dobra? /
E aquela curva do peito? /
Trás um cravo na orelha,
E dança, dança, - o harmónio /
Vai-lhe graduando o alento, /
A luz perturba, - mulheres /
Ficaram mudas a olhá-lo! /
A garotada assobia /
Acentuando o mitovo /
Musical, mas, a preceito; /
E o Sol, apesar do dia /
Nascer fosco e marralheiro, /
Parece lume! - O fandango /
Com a graça de um campino /
É Portugal verdadeiro!
António Botto
Ódio e Amor, Edições Ática, 1947